quinta-feira, 25 de julho de 2013

O outro lado do jardim

  A altura é relativamente baixa. Até mesmo para um menino de dez. Com pouca força lá ia a bola parar no vizinho. No começo, após o tocar da campainha, a boa educação daria a receita: "Oi, minha bola caiu aí do seu lado. Poderia pegá-la, por favor?". Depois da décima vez a astúcia falava mais alto que os bons modos e a tal cerca era apenas um obstáculo facilmente transponível.
Assim iam-se os dias quase sem fim. Sol, piscina e brincadeiras. Pouquíssimas responsabilidades - essa, uma parte boa. Hora ou outra lá se ia a bola. Tranquilo! O caminho já era mais que conhecido. Pra quê atrapalhar o pobre do vizinho. 
  De repente e num piscar de olhos as coisas mudam. Crescemos, tomamos escolhas e a vida se transforma. Uma acelerada revolução. Vejo olhares. Diferentes. Amadurecidos e ligeiramente esquecidos. Às vezes sinto o ar gélido da rotina dos ponteiros contados. Tendenciosos a certos caminhos sem via de retorno. Isso me assusta. E como assusta. Certas coisas não podem ser deletadas ou, de uma forma definitiva, serem alteradas. Gosto de observar os sinais da vida. Um ligeiro apontar de dedo. Para muitos algo invisível ou "coisa de maluco". Detesto coincidências. Aliás, nem nelas acredito.  
  Já se aproximava o fim da tarde. O sol ainda brilhava nessa época de inverno seco em Brasília. A campainha aqui de casa toca. Sem muita duração. Apenas toca. O pause no filme era a melhor solução naquele momento inoportuno para o abrir de uma porta. É quando me deparo com três filés de borboleta emparelhados do outro lado do portão. Apenas de sunga, queimados de um dia inteiro de brincadeiras e molhados pelo último mergulho. Um olhava para o chão. O outro era só sorriso. O terceiro, o menor da turma, é quem me pergunta: "Minha bola caiu aí do seu lado do jardim. Poderia pegá-la para mim, por favor?". 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Meus trinta


  Não houve receio por sua chegada. Ao mesmo tempo também não existiu um desejo nobre por sua vinda. Não via com olhos de uma querida visita. Tampouco com a retina que enxerga um inquilino indesejável. A espera tornou-se indiferente, contudo inevitável. O poeta um dia proferiu: “O tempo não para”. Não mesmo. Apesar da síndrome de Peter Pan e minha eterna busca pela Terra do Nunca meus trinta chegaram.
  Durante esse tempo uma bagagem foi construída. Como uma estrutura forte de um prédio ainda inacabado. Tenho orgulho de quem sou. Não por um ato egocêntrico de um narcisista, mas sim pelos aprendizados e pessoas que me cercam.  Sem duvida alguma meu maior presente nessas três décadas conquistadas. Família: Suporte fundamental na vida. Sem ela perde-se rumo sem ela perde-se a rima. Amigos: Produto da arte e sinergia do encontro.
  Sob a batuta desses dois pilares conheci quem sou. Solidifiquei meu caráter, escolhas e filosofia de vida. Sozinho vi amores irem e virem. Chorei a dor da saudade e vomitei o embrulho da frustração.  Compartilhei tristezas, decepções, conquistas, alegrias e decisões. Aprendi que com dedicação e humildade não existem limites. Me tornei padrinho/tio aos quinze e vi mais cinco lindas sobrinhas nascerem. Esqueci meu carro imundo e o silencio foi meu maior castigo. Estudei matemática com minha mãe e entendi a física com meu pai. Viajei para lugares incríveis com irmãos do peito – seja a trabalho ou por mera diversão.
  Claro que o cardápio torna-se longo – não teria saco para descrever o tim tim por tim tim  dos trinta e muito menos você teria tempo para ler. Afinal, estamos na era da conectividade acelerada. Se em três segundos não agradou... Tchau! De qualquer forma, olho para trás e sinto felicidade. A nostalgia de quem viveu o que realmente tinha para viver. Ao olhar para frente vejo a estampa do desejo em querer mais e mais.
  Outros trinta. Novos trinta. Vários trinta. Um rodízio de trinta. Um somatório de trinta para ninguém botar defeito. Assim levo minha vida e juro que vou. Hoje me tornei um trintão com mais vontade de viver. Um trintão moleque de ser. Ainda rebelde. Cabeça de trintão num corpinho de vinte, ora bolas! E sem esse papo de coroa. A juventude perdura o tempo que quisermos. Basta querer. E como quero. 
Seja muito bem vindo e sinta-se a vontade. Que a casa seja sua. De vez em quando meio complicada, zoneada, mas muito aconchegante e cheia de espaço. Mantenha tudo em ordem e aproveite seu período de dez anos que entra em vigor a partir de hoje.                   

terça-feira, 9 de julho de 2013

... Eu gosto

  A música às vezes tem o poder do momento. Assim como uma fotografia que registra determinados segundos. Naquele ato! Horas de alegria, amor, tristeza ou até mesmo solidão. Cada qual se encaixa perfeitamente para um estado. Como um quebra-cabeças.
  Acredito ser a segunda vez que cito esse mesmo compositor neste espaço. Pedro Pondé, natural de Salvador, é daqueles que deveria ser conhecido por um número maior de pessoas. Não só por sua música, mas sim por sua enorme capacidade de compartilhar e transformar sua arte na arte de todos nós. 

Ocê e Eu
"Eu gosto quando ocê
 Dá o que eu gosto
Quando ocê faz o que eu gosto
Quando ocê faz o que eu faço
E ocê?
Cê gosta quando eu
Dou o que cê gosta
Quando eu
Faço o que cê gosta
Quando eu faço o que cê faz e eu:
Vira eu! Vira maluco
Vira eu! Vira um doido
Vira eu
Vira que eu gosto de virar ocê
Me mata
Mata ocê
A gente nasce todo dia é
Pra viver melhor...". (P.P.)
   

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A camisa pesa

  Em 1991, Caetano Veloso lançava o disco Circuladô. Mais de vinte anos se passaram e só então parei para pensar que nunca havia sentido uma rusga futebolística contra a seleção Espanhola. Não me deram motivos. Há quatro anos atrás a mesma nem campeã do mundo era. Entretanto, alguma coisa estava fora da ordem. Ou dentro de uma nova ordem mundial. O país da bola redonda era a Espanha? O futebol arte tornou-se espanhol? A seleção a ser batida por todos era espanhola?  
  Faltava ainda uma coroação. Eles precisavam ganhar do Brasil. A coroa seria temporariamente entregue. Uma vitória espanhola em pleno território brasileiro, diante de sua torcida e numa final de Copa das Confederações comprovaria a tal ascensão da nova ordem. 
  Entretanto, certas vezes o sucessor não está preparado para receber grandes responsabilidades. O que vimos foi uma escovada bem dada pela seleção Brasileira e o ensinamento que a camisa amarela pesa e assusta muito. Um Maracanã lotado, um fora de série desequilibrando, um centroavante de ofício com  média de um gol por partida, um volante marcador e o bom e velho estilo brigador da Família Scolari bastou. Foi suficiente para um 3 x 0 incontestável. 
  Espero não ter que esperar mais vinte anos para pensar na possibilidade de uma rixa com os espanhóis. Essa briga é saudável, alimenta o espírito do esporte e da competitividade. Enquanto esse dia não chega nos resta passar o recado adiante: "O título de país do futebol permanece por aqui até segunda ordem. Nos encontramos ano que vem".