quinta-feira, 29 de maio de 2014

Vida pós Física

  As aulas geralmente eram nos primeiros horários. Logo cedo. Digo bem cedo! Funcionar nas primeiras horas do dia foi sempre um desafio carnal. Sonolência pesada. O humor instável. As remelas mal haviam sido limpas após o banho matinal. A voz embrulhada falava sobre dinâmica, hidrostática, óptica, leis, teorias e fórmulas. Assim eram os estudos da Física. 
  Entre idas e vindas foram diversos professores. Uma citação nominal seria um crime, apesar de lembrar de todos. E como esquecer? Nunca me dei bem com a tal matéria. Sempre precisei sentar a bunda e realmente estudar. Passado o pseudo-pesadelo ficaram os ensinamentos. Esses que trazemos para o nosso dia a dia muitas vezes sem perceber.      
  Sempre tive uma relação ótima e muito próxima com a palavra movimento. Para Aristóteles é passagem de potência a ato, deslocamento no espaço, mudança, crescimento e diminuição; como geração e destruiçãoEm alguns momentos na vida também é preciso frear. Usar o tempo para refletir e aí sim agir. Entretanto, que o repouso dure pouco. A inércia incomoda. A linearidade irrita. Causa ânsia e outros efeitos colaterais. Gosto de ir do zero a cem e observar a transformação imediata do universo que me cerca. 
  As mudanças são iminentes mediante ao movimento. O gás retorna. O sangue passeia nas veias perante os desafios. O novo se apresenta e nos peita como numa batalha. Depois da xícara de café a cabeça borbulha e os pés caminham ligeiros. Hoje, diferentemente dos terríveis dias de entrega dos resultados das provas bimentrais de Física, o tema já não me assusta.  

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Vou torcer. Sim, eu vou torcer

  Não vou fugir das minhas raízes. Tampouco sentir vergonha, apesar de um imenso descontentamento em diversas questões. De cara lembro que não fui a favor, confesso. Contudo, hoje senti aquela vontade de moleque. Esse mesmo que está indo para o seu sexto álbum de figurinha. O mesmo bom aluno em Geografia. Aquele que tentou carreira, mas só levou carreira. O mesmo garoto que escolheu um curso superior para permanecer perto da sua paixão. Entre planos e planejamentos foram quase cinco anos a serviço desse amor. 
  Vou torcer. Sim, eu vou torcer. Sempre sonhei em cobrir uma Copa do Mundo como jornalista. Sei que não fui por uma escolha de vida. Daqui há poucos dias o mesmo acontece aqui do meu lado. O sentimento é até confuso. Até porque não sou mais o mesmo moleque. Bem queria. Não entender sobre política, desvios, enriquecimento pessoal, saúde deficitária, educação e etc. Gostaria de respirar apenas a fantasia: vestir uma camisa e fingir ser meu ídolo, ter alegria em torcer, berrar muito em gols marcados, entender a derrota - mas ficar de bode o dia inteiro, me reunir com amigos e família, cantar o hino e sentir aquele frio na barriga ao escutar o apito inicial.
  Vou torcer. Sim, eu vou torcer. Vivi o futebol muito de perto. Entendo certos movimentos e repudio outros. Ao mesmo tempo, que este seja um momento de abraçar o país. Não somente pelo esporte, mas por todas as questões citadas aqui mesmo. Porque não usar esta ferramenta para uma possível virada social? Utópico, talvez. Impossível, jamais. 
  Não vou tampar meus olhos por trinta dias. Nem tampouco me tornar uma besta vestida de verde e amarelo. Ao mesmo tempo, não vou deixar esse garoto preso. Ele vai ficar solto e livre para aproveitar este evento da forma como ele bem entender. Fico feliz por ele ter essa oportunidade e privá-lo disso seria um crime do qual jamais me perdoaria. 
  Vou torcer. Sim, eu vou torcer.  

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

É bom voltar

Não é nada pessoal. Só não gosto de escrever à força. Lembro dos sintomas das "redações da quarta série" - prof. Marlene, você é realmente um trauma na minha vida - quando isso rola. Ao mesmo tempo, não é falta de algum acontecimento, preguiça ou desleixo. Simplesmente um silêncio literário espontâneo. 
Hoje, depois desses meses de inoperância no espaço, acordei com vontade de falar. A cabeça pediu e as mãos obedeceram felizes. Mesmo assim, quando me sentei, não tive em mente algo direto sobre o quê escrever. Só sabia que queria. 
Pensei em muitas coisas nesta quinta-feira, dia 20 de fevereiro. Os dias de chuva. Os resultados dessa última rodada do futebol. Um bom filme recomendado. De repente um tema político? Melhor deixar esse espaço limpo. Talvez algo relacionado à música? Um bom assunto seria o nascimento de um tal Kurt Donald Kobain, que hoje faria 47 anos. Ou quem sabe entrar num papo mitológico, tipo: Hoje comemora-se o dia de Tácita, deusa do silêncio e da virtude. Protetora da inveja e das palavras maliciosas. 
Pensei sobre a contagem regressiva de oito dias para o carnaval, o anúncio do Facebook sobre a compra do aplicativo WhatsApp, os protestos que acontecem na Venezuela e Ucrânia, a apostadora de Santa Barbara D´Oeste (SP) que levou sozinha 111, 5 milhões da Mega Sena ou a estreia da dupla dinâmica Batman e Robin nos jornais americanos, há exatos 70 anos.
A vontade é de dominar o mundo das palavras com ainda mais palavras. Abordar temas e outros assuntos, estudar novos bordões, descobrir curiosidades ou simplesmente prosear sobre um cotidiano humano, comum e irritante. É bom retornar. É bom sentir-se perto do que te faz bem. Chamo de "O psicólogo invisível adorável". Que o som deste teclado permaneça barulhento enquanto for de sua vontade. Que esta cabeça pensante continue inquieta e bravamente operante mesmo depois de qualquer período brevemente inoperante. Amém!

domingo, 8 de setembro de 2013

Só lembrar

Pensei em comer. Não tive fome.
Quem sabe beber. Não havia sede.
Deitar e dormir? Não veio sono.
Levantar e correr. Não criei fôlego.
Mas quando penso em você. Quando penso só em você...
Quis logo sorrir. Riso fácil solto
Lembrei de sentir. Aquele gosto novo  
Sair e andar. Por onde ninguém anda
Abrir para soltar. O grito da garganta
É só lembrar... De você
É só lembrar... Que você
Me faz querer, me faz um bem...
 





terça-feira, 13 de agosto de 2013

A bola da vez

  Sempre tive boas histórias relacionadas a determinadas situações. A viagem para um hotel estranho, a fila do banco, o corredor do supermercado ou um simples filme no cinema. Cada qual com sua particularidade não habitual. Contudo, dessa vez foi especial. Não fui vítima. Apenas observador. Fiquei de fora sem me deixar envolver. Algo inédito para um para-raios.    
  De repente você adentra o ambiente. É bem recepcionado por um funcionário, mas a missão já começa na entrada. Os olhos procuram por números e assentos. Movimentar-se é preciso, senão a fila empaca e um suspiro quente de insatisfação invade brutalmente sua nuca. Uma hora e meia de viagem. Estou dentro de um avião. Bastante cheio. Descubro que meu lugar é o número 28-B. Exatamente aquele perto do banheiro. No fundo. Bem no fundo.
  A cada aproximação de pessoas eu imaginava se seria essa, aquele ou aquela que estaria ao meu lado. Nessa altura eu já me preparava para o pior. Muitos entraram, ajeitavam malas e um entra e sai fora do comum no banheiro. Ao meu lado direito -assento do corredor - acomodou-se um senhor. Cara fechada e de poucos amigos. Logo abriu o jornal e resmungou baixo palavras inaudíveis no estilo Seu Saraiva - Tolerância Zero. Do meu lado esquerdo uma mulher. Esta personagem indiferente e nula para o enredo.
  Passageiros à bordo. Tudo conferido. Permissão para decolar. Naquele momento eu conseguia diferenciar cinco choros alternados de crianças. Desde recém nascidas à mais velhas um pouco. Uma orquestra sinfônica. Tipo os cachorros da rua que decidem uivar juntos durante toda madrugada. Atrás de mim o papo era intenso. Adultério, separação e divisão de bens. "Você tem que arrancar tudo dele Ângela. Eu tô falando tudo mesmo!", aconselhava para a outra amiga que aos prantos não se conformava com tais "galhos".
  Do outro lado do corredor, na reta do "seu Saraiva", um rapaz estava sentado. Nele conheci o verdadeiro significado da palavra "medo de avião". Nunca havia presenciado uma pessoa com tanto pânico e horror ao decolarmos. Literalmente fincado na poltrona ecoava berros graves, pausados e amedrontados. A essa hora o Tolerância Zero já havia amassado o jornal algumas várias vezes. O somatório dos choros, "titi-non-stop" das amigas, os berros de medo e a postura extremamente irritada do senhor ao meu lado me deu uma certeza: Não sou a bola da vez.
  Os gritos já haviam parado. Meia luz. As crianças, aparentemente, dormiam. O silêncio reflexivo das amigas era perceptível. Definitivamente a paz reinava dentro do avião. A meditação só foi quebrada minutos depois quando funcionários apareceram para servir o lanche da tarde. Lentamente serviram as três últimas poltronas e chegaram na nossa fileira. "Coca-Cola ou Água, senhor?", pergunta a ativa aeromoça. "Coca. Apenas Coca", respondeu de forma objetiva Saraiva. Acompanhei todo o processo em câmera lenta. O despejo do líquido preto no recipiente. As mãos semi-molhadas de gelo manuseando a garrafa. Tudo estava em slow motion diante dos meus olhos.  
  A funcionária já olhava para o outro lado a fim de saber o pedido do próximo passageiro. Foi quando toda a Coca-Cola que deveria ser servida virou-se inteira no colo do "seu Saraiva". Juro que ouvi o grito apreensivo da torcida em momento de quase gol num estádio cheio: Uhhhhh! Ele não reagiu. Não olhou para ela, tampouco deferiu qualquer palavra. Ficou mudo. Apenas mudo. Muito sem graça, a moça bolava mil e uma maneiras de lidar com tal situação. Todas sem êxito algum. Foi quando ela teve a infeliz ideia de se pronunciar. "Existe algo mais que eu possa fazer pelo senhor?". Enfurecido ele respondeu: "Tem! Tem sim. Porquê não pega o resto da garrafa, despeja tudo em mim e descobre se não consegue me molhar mais?!".
  "Reclinem suas poltronas para a posição correta. Dentro de instantes pousaremos no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo", avisou o piloto. As luzes se acenderam. Os choros voltaram com toda afinação possível. Os conselhos e o desespero da amiga também. Saraiva naquele momento era o semblante do mau humor. O medo já tomava conta do rapaz ao lado e o ataque de pânico era iminente. Eu estava intacto e isso era quase um milagre. Pela primeira vez vi tanta coisa acontecer ao meu redor e não fui afetado por nenhuma das situações.
  Já na pista esperei a boiada do empurra-empurra sair com malas e apetrechos. Cada um lentamente foi deixando o avião. Cada qual com seu destino. Provavelmente nunca mais verei tais pessoas. Dividimos quase duas horas de nossas vidas e só. Ao final de tudo, não precisei pensar muito para chegar a uma simples moral dessa longa história: "Em dias de forte tempestade procure sempre um para-raios mais potente que você mesmo".        

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O outro lado do jardim

  A altura é relativamente baixa. Até mesmo para um menino de dez. Com pouca força lá ia a bola parar no vizinho. No começo, após o tocar da campainha, a boa educação daria a receita: "Oi, minha bola caiu aí do seu lado. Poderia pegá-la, por favor?". Depois da décima vez a astúcia falava mais alto que os bons modos e a tal cerca era apenas um obstáculo facilmente transponível.
Assim iam-se os dias quase sem fim. Sol, piscina e brincadeiras. Pouquíssimas responsabilidades - essa, uma parte boa. Hora ou outra lá se ia a bola. Tranquilo! O caminho já era mais que conhecido. Pra quê atrapalhar o pobre do vizinho. 
  De repente e num piscar de olhos as coisas mudam. Crescemos, tomamos escolhas e a vida se transforma. Uma acelerada revolução. Vejo olhares. Diferentes. Amadurecidos e ligeiramente esquecidos. Às vezes sinto o ar gélido da rotina dos ponteiros contados. Tendenciosos a certos caminhos sem via de retorno. Isso me assusta. E como assusta. Certas coisas não podem ser deletadas ou, de uma forma definitiva, serem alteradas. Gosto de observar os sinais da vida. Um ligeiro apontar de dedo. Para muitos algo invisível ou "coisa de maluco". Detesto coincidências. Aliás, nem nelas acredito.  
  Já se aproximava o fim da tarde. O sol ainda brilhava nessa época de inverno seco em Brasília. A campainha aqui de casa toca. Sem muita duração. Apenas toca. O pause no filme era a melhor solução naquele momento inoportuno para o abrir de uma porta. É quando me deparo com três filés de borboleta emparelhados do outro lado do portão. Apenas de sunga, queimados de um dia inteiro de brincadeiras e molhados pelo último mergulho. Um olhava para o chão. O outro era só sorriso. O terceiro, o menor da turma, é quem me pergunta: "Minha bola caiu aí do seu lado do jardim. Poderia pegá-la para mim, por favor?". 

terça-feira, 16 de julho de 2013

Meus trinta


  Não houve receio por sua chegada. Ao mesmo tempo também não existiu um desejo nobre por sua vinda. Não via com olhos de uma querida visita. Tampouco com a retina que enxerga um inquilino indesejável. A espera tornou-se indiferente, contudo inevitável. O poeta um dia proferiu: “O tempo não para”. Não mesmo. Apesar da síndrome de Peter Pan e minha eterna busca pela Terra do Nunca meus trinta chegaram.
  Durante esse tempo uma bagagem foi construída. Como uma estrutura forte de um prédio ainda inacabado. Tenho orgulho de quem sou. Não por um ato egocêntrico de um narcisista, mas sim pelos aprendizados e pessoas que me cercam.  Sem duvida alguma meu maior presente nessas três décadas conquistadas. Família: Suporte fundamental na vida. Sem ela perde-se rumo sem ela perde-se a rima. Amigos: Produto da arte e sinergia do encontro.
  Sob a batuta desses dois pilares conheci quem sou. Solidifiquei meu caráter, escolhas e filosofia de vida. Sozinho vi amores irem e virem. Chorei a dor da saudade e vomitei o embrulho da frustração.  Compartilhei tristezas, decepções, conquistas, alegrias e decisões. Aprendi que com dedicação e humildade não existem limites. Me tornei padrinho/tio aos quinze e vi mais cinco lindas sobrinhas nascerem. Esqueci meu carro imundo e o silencio foi meu maior castigo. Estudei matemática com minha mãe e entendi a física com meu pai. Viajei para lugares incríveis com irmãos do peito – seja a trabalho ou por mera diversão.
  Claro que o cardápio torna-se longo – não teria saco para descrever o tim tim por tim tim  dos trinta e muito menos você teria tempo para ler. Afinal, estamos na era da conectividade acelerada. Se em três segundos não agradou... Tchau! De qualquer forma, olho para trás e sinto felicidade. A nostalgia de quem viveu o que realmente tinha para viver. Ao olhar para frente vejo a estampa do desejo em querer mais e mais.
  Outros trinta. Novos trinta. Vários trinta. Um rodízio de trinta. Um somatório de trinta para ninguém botar defeito. Assim levo minha vida e juro que vou. Hoje me tornei um trintão com mais vontade de viver. Um trintão moleque de ser. Ainda rebelde. Cabeça de trintão num corpinho de vinte, ora bolas! E sem esse papo de coroa. A juventude perdura o tempo que quisermos. Basta querer. E como quero. 
Seja muito bem vindo e sinta-se a vontade. Que a casa seja sua. De vez em quando meio complicada, zoneada, mas muito aconchegante e cheia de espaço. Mantenha tudo em ordem e aproveite seu período de dez anos que entra em vigor a partir de hoje.