terça-feira, 16 de outubro de 2012

O que deseja tomar?


Ela se encostou ao balcão e preferiu chorar. A bebida não mais mascarava suas mágoas. Escondidas por trás de uma bela maquiagem por hora borrada. Do outro lado, as mãos molhadas dos copos sujos de uma madrugada inteira. Era só ouvidos e assim acostumou-se há tempos. Não consta diploma, apenas experiência e bagagem. Uma simples pergunta e abre-se a brecha para o início de um diálogo: 
- O que deseja tomar? Pergunta o sóbrio garçom. 
- Eu matei um amor. Emenda a bela sem o menor pudor. 
- Com toda certeza, frieza e cálculo desse mundo. Matei sem chance de respiro ou reação. Fiz por achar certo, mas sofro, sofro todos os segundos da minha vida.  
Com o olhar fixo no último copo sujo com resquícios de vodca e maracujá o mesmo sentencia sua opinião.
- Não houve assassinato querida. Houve sim um parto natural para um renascimento. Pense assim. Você jamais será uma criminosa e sim uma libertária, uma fonte de vida. Completou o sábio lavador de louças.  
Como uma estátua embasbacada a mesma tomou o resto d´água e levantou-se. Ligeiramente babada e completamente descabelada permitiu que sua última lágrima descesse e caminhasse até o fim do seu rosto. Foi o símbolo da aceitação imediata misturada ao medo da verdadeira perda.  Recuando de costas em direção a saída parou pela última vez olhando fixamente  ao seu confissionário. A sensação de alívio dominava um ambiente antes tomado por toneladas de peso. A réu estava livre de todas suas acusações enquanto a vítima passava a gozar dos bens da ressurreição em liberdade plena. 
Ainda do outro lado do balcão o sábio servidor viu sua cliente deixar o local com suavidade e certa mudança. Com total indiferença de quem pouco se preocupa com o resultado pensou: "As nossas ações podem ser mascaradas e o que por um tempo foi dor torna-se felicidade. Jamais existirá escuridão sem luz, morte sem vida". 
Ao desviar seu olhar da pia quase limpa para o balcão de pedidos se deparou com uma nova angústia sentada à sua frente. 
- O que deseja tomar? Perguntou.      

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